Oi pessoal!
Você já parou para pensar de onde vem a água que sai da sua torneira? Bom, se você mora em uma periferia de São Paulo, é grande a chance de ela vir da Represa Billings, um dos maiores reservatórios do estado.
Mas a Billings é muito mais do que isso. Esse território, no fundão da cidade, faz parte das nossas paisagens, cortando bairros, espelhando o céu, sustentando vidas. A represa é parte fundamental do cotidiano e da identidade de milhares de moradores das quebradas.
Em 2025, a Billings completa 100 anos. Para marcar essa data, fizemos o que sabemos fazer de melhor: ouvimos quem vive nas margens, mergulhamos nas memórias, nas lutas e nos sonhos que brotam à beira d’água. Para muita gente, a Billings é quintal, sustento, espiritualidade, infância, protesto e cura.
Nesta edição da Mural Inbox, a gente te convida a navegar com a gente por essas histórias, no especial “Nas Margens da Billings”. São relatos de pescadoras que herdaram o ofício dos pais, de indígenas que retomaram a terra dos ancestrais, de mulheres que velejam e curam e de lideranças que lutam por um futuro mais limpo e justo.
Vem ver (e se emocionar) com esse rolê pelas margens da represa que é a cara das periferias.
Bora nessa?
Velejando na quebrada
“Eu comecei a velejar com sete anos e foi um divisor de águas na minha vida”, relembra emocionada Laís Guimarães Ferreira, 29, moradora do Jardim Gaivotas, no Grajaú, extremo sul de São Paulo.
Por meio do projeto “Navegando nas Artes”, que oferece práticas náuticas na Represa Billings, ela se tornou instrutora de vela e decidiu compartilhar seu conhecimento com mulheres em vulnerabilidade social e vítimas de violência.
Da infância em barco à liderança da Billings
Banheiro, cozinha, quarto e pequenas janelas com uma vista do quintal para as águas da Represa Billings. Uma embarcação de 40 metros quadrados, construída em madeira e com paredes externas azuis, foi o lar de Vanderlea Rochumback Dias, 57, até os sete anos, na região pós-balsa de São Bernardo do Campo, na região metropolitana de São Paulo.
Hoje ela é a primeira mulher a comandar transporte hidroviário na capital paulista e defende a sustentabilidade da pesca, além de valorizar o papel das mulheres na atividade.
“Tudo o que eu faço é relacionado à represa. É um amor puro.”
Vanderlea Rochumback, 57, comandante náutica
Legado de luta pela represa
Adolfo Duarte, o Ferruge, tornou-se uma figura emblemática no Grajaú, no extremo sul de São Paulo. Seu nome ainda ecoa nas margens da Represa Billings, onde sonhou, lutou e viveu. Dois anos após sua morte, o legado do ativista continua pulsando nas ações sociais da região e nas novas gerações que ocupam as águas da represa.
“Ele trouxe a possibilidade de lazer para a comunidade. Muita gente daqui nunca tinha colocado os pés na represa. Ele possibilitou isso e resgatou a identidade cultural dos que moram nas margens.”
Uiara, ativista ambiental e ex-companheira de Ferruge
‘Empatia com a água’, pede liderança Guarani
Uma trilha de 10 minutos, no silêncio da mata fechada, entre casas de taipa e pequenas pontes de madeira sobre riachos e nascentes. Esse foi o caminho percorrido pelos repórteres da Agência Mural enquanto conversavam com Gilmar Martins da Silva, 36, conhecido como Nhamandu, umas das lideranças Guarani da Grande São Paulo.
O destino final? Um braço da Represa Billings, em São Bernardo do Campo, local visitado diariamente pelo jovem líder da aldeia Tekoa Guyrapa-ju e pelos demais indígenas Guarani Mbya que vivem ali, divididos em 23 famílias.
Memórias de um parto na Billings
No distrito de Pedreira, zona sul da capital paulista, a caseira aposentada Lourdes Pilon Rodrigues celebra 90 anos – apenas dez a menos que a Represa Billings.
Entre Lourdes e a Billings há muitos paralelos, mas o mais emblemático é o nascimento de sua filha, Roseli Colombo, 66, nas margens da represa.
As duas vivem no local desde então, com um compromisso comum: manter vivas as memórias da Billings e preservar a Mata Atlântica da região, classificada como Área de Proteção Permanente, mas que aos poucos cede espaço à urbanização.
Espiritualidade à beira da represa
Era 1974 quando Ezequiel de Oliveira Pereira, 55, viu pela primeira vez o “mundaréu de água” da Represa Billings.
Quase 50 anos depois, ele comprou uma casa a cerca de 200 metros das margens do local, no bairro Eldorado, em Diadema, na Grande São Paulo. Desta vez, não para pescar, nadar ou tomar sol, mas para praticar sua religião.
Como sacerdote da umbanda e adepto dos rituais como Ayahuasca, fundou o Instituto Espiritual Xamanico Inove na Billings, onde realiza rituais universalistas com uso do chá.
“A represa é um ponto de força da natureza. Este foi um dos motivos que escolhi vir morar aqui.”
Ezequiel Pereira, sacerdote da umbanda
Duas irmãs, uma vida ribeirinha
“Nós chegamos aqui em 1962. Só tinha três casas e a gente ia pescar na represa Billings que era toda limpa, não tinha mato, nem nada”, conta a dona de casa Maria Aparecida de Araújo, 67, moradora do Jardim Raquel, periferia de Rio Grande da Serra, na Grande São Paulo.
Ela e sua irmã, Vilma dos Santos, 66, fazem parte do grupo de primeiros moradores da região, que teve a represa como fonte de sustento e base para suas condições de vida.
‘Tenho muito amor pela represa’
“Eu tenho muita gratidão pela represa”, conta Cirlene Pereira de Souza, 61, mais conhecida como Tia Ci. Comerciante e moradora há 36 anos do bairro do Recreio da Borda do Campo, em Santo André, na Grande São Paulo. Lá ela construiu o “Bar da Tia Ci” nas margens da represa Billings, um local que se tornou ponto de encontro na região e um divisor de águas em sua vida.
Foi a profecia cumprida de um benzedor mineiro que a guiou: “Sua vida vai mudar 100% na beira da água.”
O balseiro que ‘sabia de tudo’
Por mais de 20 anos, João dos Reis Ribeiro, 66, foi responsável por comandar a balsa que liga o distrito do Grajaú à Ilha do Bororé, no extremo-sul de São Paulo. Entre histórias de coragem e improvisos, ele criou estratégias inusitadas para prevenir acidentes de trânsito e até ajudou a realizar um parto à bordo da balsa.
“Atendendo a população, você passa por momentos difíceis e por momentos bons. Se fosse para eu fazer tudo de novo, faria, sem medo de nada.”
João dos Reis Ribeiro, 66, balseiro aposentado
De pai para filha
“A pescaria é sagrada para mim. Está no meu sangue, está na minha história. Faço qualquer coisa, menos largar a pescaria. A minha vida é a Represa Billings, é uma segunda mãe para mim.”
Com esta constatação, a pescadora Shirley Aparecida, 53, define sua relação com a Billings e com seu território: o pós-balsa de São Bernardo do Campo, onde vive desde que nasceu, um dos municípios da Grande São Paulo mais banhados pela represa.
Ela aprendeu o ofício de pesca com o pai ainda na infância e, com o trabalho, garantiu o sustento de seus dois filhos ao longo de toda uma vida entre redes, malhas e iscas.
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É oficial: a Agência Mural é finalista no Prêmio MOL de Jornalismo para a Solidariedade.
Na categoria texto de jornalismo comunitário, concorre a reportagem “Com grupo no zap, ações e caminhadas, mães de Itapevi criam rede de apoio para falar sobre autismo”, produzida por Carol Lima, correspondente local de Itapevi, na Grande São Paulo. Já na categoria foto de jornalismo tradicional, a Agência Mural disputa com a reportagem “Pai e filho transformam viela da zona sul em parque com picadeiro”, do fotojornalista Léu Britto.
A eleição dos vencedores será realizada por votação popular, e você pode votar nas reportagens clicando aqui.
Você já imaginou ensinar geografia com rap ou criar óculos que ajudam alunos com deficiência visual a se locomover pelo colégio? Essas são apenas algumas das ideias inovadoras que têm ganhado espaço em escolas públicas das periferias de São Paulo.
A Agência Mural, com o apoio do Instituto Unibanco, lançou o podcast “Vale Nota – Ensino Médio”, uma série que aborda o dia a dia de estudantes, professores e gestores, revelando como projetos extracurriculares inovadores estão transformando a relação dos alunos com o aprendizado no ensino médio.
Obrigada por chegar até aqui!
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Obrigada a todos e todas.
Edição: Sarah Fernandes
Contato: sarahfernandes@agenciamural.org.br
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