Oi pessoal!
Talvez essa pergunta nunca tenha passado pela sua cabeça, mas te convido a parar um minutinho e pensar comigo: sem jornalismo local, como você acompanharia o que a prefeitura e os vereadores da sua cidade estão fazendo com o dinheiro público - o seu dinheiro? Ou como você ficaria sabendo que um programa federal chegou no seu município?
Pois é nessa aridez de informação que vivem 26,7 milhões de brasileiros, em quase metade dos municípios do país (48,7%). Eles são considerados Desertos de Notícias, onde não há jornalismo local acompanhando o cotidiano da cidade, cobrando autoridades, fazendo denúncias e fiscalizando – funções primordiais da imprensa e pilares da democracia.
Um desses municípios é Pirapora do Bom Jesus, localizado na Grande São Paulo e um dos mais pobres da região metropolitana. Para tentar saber o que acontece por lá, moradores dependem de carros de som da prefeitura, redes sociais de políticos e do bom e velho boca a boca - e já dá pra imaginar quantos ruídos aparecem por aí, não é?!
Nós da Agência Mural fizemos uma imersão em Pirapora do Bom Jesus e passamos meses investigando como a ausência de informação afeta o cotidiano, o acesso a direitos e como ele acirra as eleições municipais de 2024. Foram seis meses de apuração e dezenas de entrevistas, pedidos de documentos e planilhas de dados para chegarmos ao especial Sem Notícias, um dos maiores trabalhos de reportagem que já produzimos, envolvendo foto, vídeo, texto e quadrinhos.
Por isso, nosso assunto aqui não poderia ser outro.
Então, como já é de praxe: bora nessa?
Quem fiscaliza o poder público?
Cinco dias de imersão da equipe da Mural em Pirapora do Bom Jesus. Pelo menos 15 entrevistados e uma lista em mãos dos principais canais de comunicação dos piraporanos: boca a boca, carro de som, grupos de Whatsapp, site da prefeitura, lives do prefeito, perfis em redes sociais, avisos nas igrejas e os canais oficiais vereadores – apontados como o principal meio de denúncias e investigações.
"Tudo da cidade a gente vai ouvir, sempre, da boca de algum vereador. Ficamos a esmo de uma notícia que não seja de um político"
Jeanderson Gomes dos Santos, 34, trabalhador da construção civil
Como pontua Dubes Sônego, pesquisador do Atlas da Notícia, quando se vive em um deserto de informação, a opção é confiar no que se ouve ou no que se vê nas redes sociais. “Você não tem uma fonte de informação jornalística fazendo a distinção do que é fato ou do que é opinião, e isso fragiliza a cidade e favorece a circulação de fake news”, diz.
Cidade dividida
A equipe da Mural estava em Pirapora para entender como a população é afetada pela ausência de jornalismo profissional e independente. Qual seria um bom lugar para começar? A escola. E não qualquer colégio, mas o maior centro educacional do município, localizado na periferia, o Parque Payol, distante quatro quilômetros do centro. O local é conhecido por reunir a maioria da população, o comércio mais aquecido, o maior número de eleitores e também os principais problemas socioeconômicos, inclusive a falta de informações oficiais e confiáveis sobre a cidade.
“No Payol pode até ter mais movimento, mas as pessoas que estão no centro acabam tendo mais informações e mais oportunidades, por estarem perto da prefeitura, da igreja e da Câmara Municipal”
Aline Morais, 32, cabeleireira@Léu Britto/ Agência Mural
Um deserto de notícias nas eleições
“Uma família em Pirapora muda completamente as eleições. Se eu passei em uma casa e meu opositor esqueceu, eu posso ganhar as eleições por isso”, conta o jornalista Leandro Daher, que mantém o jornal O Anhanguera, um periódico sobre política da vizinha Santana do Parnaíba, que eventualmente cobre Pirapora do Bom Jesus. Esse é o caldo político em uma cidade pequena, com economia pouco aquecida, e sem iniciativas de jornalismo local.
“Fica a nosso critério seguir vereadores para saber os problemas da cidade e o que está sendo feito. A prefeitura não divulga tudo o que acontece, com a clareza que deveria”
Jeanderson Gomes dos Santos, 34, morador do Payol.
No bairro, conhecido por decidir as eleições, funciona a emissora de rádio Nova Pirapora FM, na frequência comunitária 87,5. Apesar de ter uma proposta educativa, ela acaba ligada à política do município.
A imprensa ajuda a resolver problemas sociais?
Depois da imersão em um deserto de notícias, essa era a pergunta que não queria calar. Qual seria o papel do jornalismo profissional? Ele ajudaria a amenizar essas lacunas? “O jornalismo é uma etapa para resolução de problemas. O jornalista não é a resolução de problema”, afirma Eugênio Bucci, professor titular da ECA-USP (Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo), em conversa com a Agência Mural. Ouça o conteúdo completo.
A história de um santo no jornal
Em 1884 um pequeno jornal em circulação na capital paulista anunciava em suas páginas: a imagem de Bom Jesus, encontrada às margens do Rio Tietê, realiza milagres. Foi justamente a publicação desta história que fez as graças do santo chegarem aos quatro cantos do país e transformou Pirapora em um dos principais destinos religiosos do estado de São Paulo. Isso atraiu multidões e fez de Pirapora um ponto de encontro para comunidades de samba, jongo e batuques do interior, sendo considerada o berço do samba paulista.
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A diretora executiva da Agência Mural, Izabela Moi, ganhou o mundo e participou de um dos mais importantes eventos internacionais de jornalismo, o Congresso Mundial e Festival de Inovação de Mídia de 2024, realizado em maio, em Sarajevo, capital da Bósnia e Herzegovina. Ela mediou o painel “Estourando bolhas: a mídia feminista inova para atingir públicos mais amplos” e participu da mesa “Como os meios de comunicação locais envolvem o público e mantém sua confiança”.
Um relatório da Unesco recém publicado confirma o que a gente aqui sempre defendeu: que o jornalismo de qualidade é essencial para a democracia e para o engajamento cívico. A publicação também argumenta que o investimento público em jornalismo melhora a confiança social e a promoção dos direitos humanos. Vale a leitura!
Obrigada por chegar até aqui!
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Obrigada a todos e todas.
Edição: Sarah Fernandes
Contato: sarahfernandes@agenciamural.org.br
Saiba mais em: www.agenciamural.org.br
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