Trabalho digno, justiça racial e representação política
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Oi pessoal!
Já chegamos com temas que parecem complicados e quase fazem tensionar as sobrancelhas, né?! Mas calma! Aqui nosso papel é justamente aproximar esses debates do dia a dia das periferias e apontar caminhos para os nossos.
Quer ver? Eu te apresento então a Suellen, que tem 26 anos, é psicóloga e trabalha nas periferias de São Paulo. Ela puxou debates centrais para o 20 de novembro, Dia da Consciência Negra - e uma das datas mais importantes deste país, diga-se! Sua experiência resume muito do que a gente discute sobre justiça racial.
E é nessa toada que a gente segue neste dezembro. Chegamos recheados de análises políticas para os próximos quatro anos nas quebradas, mas também de olho em assuntos que dialogam direto com quem mora da ponte pra cá: escala 6x1, pressão imobiliária sobre espaços públicos de lazer e histórias de pessoas inspiradoras que transformam as quebradas.
Bora nessa?
‘Merecemos mais dignidade que a escala 6X1’
“É como se vivêssemos só para o trabalho. Não vejo meus filhos crescerem, não consigo participar dos encontros em família”. O relato emocionado é da caixa de supermercado Luíza Aguiar, 38, que há 4 anos trabalha na escala 6X1 no Jardim João XXIII, zona oeste de São Paulo.
Milhares de outras mulheres negras e periféricas vivem a realidade de trabalhar seis dias na semana e folgar apenas um, sem tempo para cuidar de si e da família ou de terem direito ao lazer e ao estudo. A realidade delas ganhou luz no último mês, após a deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) apresentar uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) para reduzir a jornada semanal máxima de trabalho de 44 para 36 horas e por fim a escala 6X1.
‘Eu folgo atualmente nas quartas-feiras, e basicamente faço as tarefas de casa que se acumulam durante a semana e tento descansar. O lazer se limita a assistir algo nos streaming’
Washington Lima Soares, 37, assistente de loja e morador do Capão Redondo
A Agência Mural ouviu trabalhadores periféricos que trabalham nesse regime para entender os impactos da escala 6X1 em suas vidas.
Vale lembrar que países como Noruega, Suécia, Dinamarca e Finlândia já apostam em uma carga de trabalho reduzida. O Brasil, ao lado de Estados Unidos, México, China e Índia, ainda utilizam o modelo de 6×1. Agora, após o resultado do processo de mobilização social, haverá desafios pela frente. A PEC ainda não foi votada.
Obrigada, Miltão!
“E esse pipa aí, da hora? Aonde você comprou?”. “Pô, foi no meu vizinho lá, o Hamilton.” “Será que ele faz um pra mim também?”. Com um legado de alegria e defesa das brincadeiras de rua, faleceu em novembro Hamilton Souza Silva, 53, o Miltão Pipas, em decorrência de um câncer na região bucal.
Apaixonado pela brincadeira e pelas infâncias das periferias, o pipeiro do Grajaú encantou gerações com pipas de diferentes cores, tamanhos e formatos.
Em 2013, inaugurou uma loja para a alegria da criançada, com pipas da caçulinha até a gigante. Em 2021, as criações dele foram parar no São Paulo Fashion Week, um dos eventos mais importantes de moda do mundo, durante o desfile Fluxo Milenar, da marca Mile Lab.
“Uma criança que nasce na periferia, ela já admira o pipa. Eu fui encantado dessa forma. Se tem uma coisa que me faz esquecer os problemas, é quando o pipa está no alto. O pipa é uma liberdade”
Miltão Pipas
Mulheres periféricas na política
A vereadora Luana Alves (PSOL), da Vila Sônia, zona oeste de São Paulo, foi a primeira mulher negra a ser reeleita para a Câmara Municipal da capital paulista, com um posicionamento que considera importante e democrático: “meu mandato é uma ferramenta de luta dos movimentos sociais”.
Ela traz como prioridades demandas das quebradas de São Paulo, como garantia de estrutura para trabalhadores de aplicativos, passe livre dos ônibus para pacientes de CAPs e acesso a editais para artistas das quebradas. A parlamentar, porém, acredita que os desafios políticos das periferias serão redobrados na próxima legislatura.
Quem concorda é a quinta vereadora mais votada de São Paulo, Amanda Pascoal (PSOL), 32, cria da periferia, mulher trans e negra. “Será um desafio maior para construir a oposição ao governo na Câmara, principalmente com a extrema direita dentro da Casa. Teremos que lutar para driblar retrocessos e discursos de ódio que estiveram presentes na campanha”, avalia.
Periferias à direita?
O prefeito Ricardo Nunes (MDB) praticamente dobrou os votos em relação ao primeiro turno e venceu na grande maioria das quebradas de São Paulo. Mas o que explica esse cenário?
À pedido da Mural, o consultor político e professor da ESPM Giuliano Salvarani analisou a perda de votos de Boulos nas quebradas, qual é a mentalidade do jovem periférico sobre política e o cenário daqui em diante.
Mas nenhuma análise é simples. O coordenador do Centro de Estudos Periféricos da Unifesp, Tiaraju Pablo D’Andrea, alerta que organizar votos em mapas é uma leitura que pode esconder conflitos e disputas políticas nos territórios.
Ainda assim, analistas concordam que, nas últimas décadas, os partidos de esquerda que sempre defenderam representar as periferias da Grande São Paulo, se desconectaram dos interesses das quebradas e não dialogam mais com os interesses dos jovens periféricos. Quem debate o tema é o sociólogo e cientista político Marcos Agostinho.
Sem ter para onde ir
Desde 9 de outubro, moradores da Ocupação Santa Cruz, em Pirapora do Bom Jesus, Grande São Paulo, estão apreensivos: eles receberam uma notificação da Justiça informando que terão que deixar suas casas e não têm para onde ir. Há 12 anos, 400 pessoas ocupam um condomínio abandonado, palco de uma disputa judicial entre os proprietários da área e movimentos populares do município mais pobre da região metropolitana da capital paulista.
Pelo menos 100 famílias residem na ocupação, incluindo idosos, doentes acamados e mães solos que não tem outro local para viverem com seus filhos.
“Não consigo trabalhar o dia todo porque tenho que cuidar das minhas filhas. Eu trabalho para me manter e pagar algumas dívidas, não posso tirar da boca das minhas filhas”
Jaqueline Taís Palmieri Genésio, 42, motorista de aplicativo que vive na ocupação
Cadê a praça?
Em meio a ruas que têm nomes de outro planeta, moradores de São Mateus enfrentam questões terrenas. Vizinhos e uma imobiliária da região entraram em conflito por uma praça que fica entre a avenida Andrômeda e rua Sirius, no bairro Jardim Santa Bárbara, na zona leste da capital.
Os moradores relatam que na segunda-feira após o segundo turno das eleições municipais três homens começaram a cavar buracos em torno da praça. Os trabalhadores alegaram que o local era um terreno privado. Ao longo do mês de novembro, um muro foi levantado no local que é de uso público, para lazer.
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O ano mais premiado da Mural! Sim, nós levamos para casa alguns dos mais importantes prêmios de jornalismo do país. Entre novembro e dezembro vencemos o Prêmio Cláudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados com o especial Panorama das Favelas de SP, na categoria Visualização; conquistamos o segundo lugar no 4º Prêmio de Comunicação Fundação José Luiz Egydio Setúbal, na categoria redes sociais, com a reportagem “O rio cheira mal e enche minha casa”; e vencemos o Prêmio EBC com o projeto “Papo Reto no Zap”.
Já são nada mais nada menos do que seis prêmios de jornalismo só em 2024. Mas não para por aí: jornalistas da Mural foram destaque no Prêmio +Admirados Jornalistas Negros e Negras da Imprensa, promovido pelo Jornalistas&Cia. Glória Maria, correspondente de Paraisópolis, e o fotojornalista Léu Britto ficaram entre os mais admirados. Também rolou indicação de muralista e outros repórteres que passaram por aqui.
É o resultado de um trabalho coletivo, à várias mãos e pautado pelo jornalismo de interesse público.
A Agência Mural comemorou seus 14 anos na vanguarda da comunicação nas, pelas e para as quebradas da Grande São Paulo! Sempre com a missão de ajudar a romper estereótipos, democratizar a comunicação e ampliar a voz das periferias.
Para marcar a data, lançamos o ebook “Tijolo por Tijolo: a experiência de construir uma comunidade de apoiadores ao redor do jornalismo”, disponível para download gratuito. O livro é fruto de uma pesquisa realizada pelo nosso diretor de negócios, Anderson Meneses, durante o Programa Saberes, da Rede Comuá, e discute estratégias e caminhos para a sustentabilidade de projetos de jornalismo independente.
Obrigada por chegar até aqui!
A Agência Mural tem como missão fazer jornalismo local sobre, para e pelas periferias, combatendo estereótipos e garantindo o acesso à informação.Participe da Tijolo por Tijolo e ajude a construir nosso jornalismo.
Obrigada a todos e todas.
Edição: Sarah Fernandes
Contato: sarahfernandes@agenciamural.org.br
Saiba mais em: www.agenciamural.org.br
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